CARTA ABERTA
Uma agenda para o comércio internacional e o enfrentamento da pandemia
Neste momento em que todos os segmentos da sociedade precisam fazer parte do esforço coletivo de combate ao coronavírus, a ICC Brasil (Câmara de Comércio Internacional – Brasil) vem propor uma agenda mínima de comércio exterior como contribuição na luta para proteger vidas e criar as bases para uma retomada planejada no futuro.
A crise que enfrentamos é mais abrangente que qualquer evento da história recente e tem seu inteiro alcance ainda desconhecido. O momento é de responsabilidade na tomada de decisões e de respeito ao conhecimento técnico. Para salvar vidas e proteger o futuro das pessoas, só alcançaremos resultados se houver alinhamento em torno de políticas propostas por autoridades universalmente reconhecidas.
Globalmente, a ICC tem cooperado com a Organização Mundial da Saúde (OMS), reconhecida referência técnica. Da mesma forma, em questões de comércio exterior, é importante que governos e setor privado dialoguem com a Organização Mundial do Comércio para refletir como alavancar o comércio mundial neste tempo de crise.
O comércio exterior tem um papel importante no enfrentamento dessa pandemia e na recuperação posterior da renda e do emprego. O país precisa se unir em torno de uma agenda para três momentos distintos:
1. O enfrentamento à pandemia: a garantia de equipamentos e suprimentos
Equipamentos e suprimentos médicos são produtos de alta complexidade tecnológica e têm suas cadeias de produção dispersas pelo mundo. O Brasil e o mundo precisam garantir sua disponibilidade onde são mais intensamente necessitados, aqui ou em parceiros comerciais menos preparados para defender sua população. Para isso, o país e seus parceiros internacionais precisam estar prontos a baixar ou zerar rapidamente tarifas de importação sobre esses produtos e insumos, além de criar procedimentos expressos para o desembaraço em alfândega e facilitar compras públicas. O Brasil já fez avanços importantes nesse terreno e deve perseverar. É uma questão comercial, mas principalmente uma questão de humanidade.
2. A recuperação do padrão de vida da população: um impulso à retomada do emprego e da renda
Com uma recessão se instalando rapidamente no mercado interno, o acesso ao mercado global será relevante para impulsionar a criação de renda e emprego. Duas frentes são prioritárias para impactar o padrão de vida dos brasileiros:
– Manter o caminho da abertura: A crise não pode fazer Brasil voltar na discussão. Acesso a insumos, a maquinário e a mercados serão chave para que as empresas exportadoras brasileiras possam retomar rapidamente suas atividades.
– Acesso a crédito: A oferta de crédito para o comércio exterior se reduz drasticamente em crises de alcance global, e já há sinais de que isso voltou a se repetir. Criar os instrumentos para que os bancos tenham segurança e mantenham a oferta para empresas brasileiras é necessário para viabilizar uma retomada consistente.
3. A criação de um ambiente melhor: como prevenir ou minimizar o risco de novos impactos similares
O país estaria mais pronto a preservar empregos e renda em uma crise dessa dimensão se vivêssemos em um ambiente internacional mais colaborativo e tivéssemos nossas pequenas e médias empresas preparadas para os novos modos de venda e distribuição. Com isso, duas frentes se impõem:
– Digitalização: O país mostrou capacidade de adaptar rapidamente parte de sua economia para o trabalho em formatos remotos e digitais. Fortalecer as pequenas e médias empresas para atuar nesse regime multiplicará sua capacidade para resistir a choques, atuar no mercado global e proteger empregos.
– Estruturas multilaterais: A OMC certamente tem problemas a ser enfrentados, mas é o melhor instrumento para a promoção de um regime propício ao comércio. O Brasil tem um histórico de liderança nos debates na organização e está pronto a atuar com protagonismo no processo de reforma de sua estrutura. Medidas de limitação à movimentação entre países, tomadas para conter a propagação da Covid-19, têm uso apenas no curto prazo e não podem se perpetuar.
Desde já, a ICC Brasil está lançando no país uma série de webinars para informar e debater temas de alta relevância para o setor privado neste período desafiador. O primeiro deles, na semana passada, tratou do impacto do coronavírus sobre contratos e uso da cláusula de força maior. Junto com outras organizações brasileiras e o Pacto Global da ONU, estamos apoiando a criação do Covid Radar, plataforma que reunirá diversas funcionalidades colaborativas, como um marketplace para unir aqueles que precisam de ajuda com os que desejam ajudar.
O desenvolvimento e a implementação de agendas desse alcance dependem da colaboração coordenada entre o setor privado e os governos, aqui e no mundo. A ICC está presente em mais de cem países e representa 45 milhões de empresas. Estamos prontos a colaborar, por meio do uso de nossa estrutura e da mobilização de nossos associados, no desenvolvimento de políticas, programas e ações que apliquem da melhor maneira possível os recursos existentes na superação da terrível crise de saúde que enfrentamos e na promoção do bem comum.
É hora de cooperarmos uns com os outros em todos os níveis em que atuamos.
Daniel Feffer
Presidente do Conselho Superior da ICC Brasil